A poluição por plástico tornou-se um dos desafios ambientais mais urgentes da atualidade. Com aproximadamente 350 milhões de toneladas de resíduos plásticos gerados anualmente no mundo, a busca por soluções inovadoras nunca foi tão necessária. E é justamente do Brasil que vem uma das descobertas mais promissoras nessa área: bactérias capazes de decompor plástico em semanas e, melhor ainda, transformá-lo em material biodegradável.
Pesquisadores brasileiros das universidades de Sorocaba, Unicamp e UFABC desenvolveram uma tecnologia revolucionária que utiliza comunidades microbianas para degradar materiais plásticos que levam séculos para se decompor naturalmente. O estudo, apoiado pela FAPESP e publicado no periódico Science of The Total Environment, representa um marco na biotecnologia ambiental.

A descoberta da bactéria brasileira BR4
Entre os diversos microrganismos identificados na pesquisa, destaca-se a linhagem Pseudomonas sp BR4, que não apenas decompõe o PET (tereftalato de polietileno) utilizado em garrafas plásticas, mas também produz polihidroxibutirato (PHB), um bioplástico de alta qualidade. Esse processo representa uma verdadeira economia circular: o lixo plástico se transforma em matéria-prima sustentável.
Os cientistas coletaram amostras de solo contaminado por plásticos e, através de análise metagenômica, desenvolveram comunidades microbianas especializadas. O resultado foi impressionante: a bactéria BR4 consegue degradar materiais como polietileno e PET, transformando-os em biopolímeros que podem ser utilizados na fabricação de embalagens sustentáveis e até em aplicações biomédicas.
O pesquisador Fábio Squina, que coordena o estudo, explica que foram sequenciados os genomas de 80 bactérias presentes nas comunidades microbianas, identificando tanto espécies já conhecidas quanto novas variedades associadas à degradação de polímeros plásticos. A descoberta abre caminho para o desenvolvimento tecnológico de soluções ainda mais eficientes.
Como funcionam essas bactérias decompositoras
O processo de decomposição do plástico por bactérias envolve enzimas especializadas que quebram as longas cadeias de polímeros em moléculas menores. No caso da Pseudomonas BR4, o microrganismo utiliza o plástico como fonte de carbono, energia e nitrogênio para seu crescimento e metabolismo.
As comunidades microbianas desenvolvidas pelos pesquisadores apresentam características notáveis: elas degradam polímeros através de interações cooperativas entre diferentes bactérias e vias bioquímicas especializadas. É como uma equipe de trabalho microscópica, onde cada microrganismo desempenha um papel específico no processo de decomposição.
O diferencial da tecnologia brasileira está na capacidade de não apenas degradar o plástico, mas transformá-lo em PHB enriquecido com hidroxivalerato (HV). Esse material apresenta maior flexibilidade e resistência comparado ao PHB puro, tornando-o ideal para diversas aplicações industriais.
Outras descobertas globais no combate ao plástico
A ciência mundial tem avançado significativamente nessa área. No Japão, pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Kioto descobriram a Ideonella sakaiensis, uma bactéria capaz de digerir completamente garrafas PET em aproximadamente seis semanas. O microrganismo utiliza duas enzimas, a petase e a metase, para degradar e processar o material.
Na Alemanha, cientistas da Universidade de Greifswald identificaram enzimas capazes de quebrar o poliuretano, plástico utilizado em colchões, tênis esportivos e revestimentos. As uretanases encontradas conseguem dissolver esse tipo de plástico em apenas dois dias em condições laboratoriais.
Nos Estados Unidos, pesquisadores da Northwestern University focaram na Comamonas testosteroni, uma bactéria presente em águas residuais que demonstrou capacidade de quebrar plásticos comuns, incluindo o PET, transformando-o em nanoplásticos que servem como fonte de carbono para seu crescimento.
Estudantes canadenses Miranda Wang e Jeanny Yao desenvolveram um protótipo de bactéria que transforma plástico em CO₂ e água. A tecnologia, que hoje é utilizada tanto para limpeza de praias quanto para produção de matéria-prima têxtil, rendeu às jovens cientistas cinco prêmios internacionais e investimentos significativos.
Aplicações práticas e potencial econômico
A tecnologia de biodegradação de plásticos vai muito além da questão ambiental. O mercado de bioplásticos cresce exponencialmente, e o PHB produzido pela bactéria BR4 pode ser aplicado em diversos setores industriais. Embalagens sustentáveis, dispositivos biomédicos, agricultura e até cosméticos são algumas das possibilidades.
As empresas de reciclagem podem implementar processos biotecnológicos em suas instalações, tornando o tratamento de resíduos mais eficiente e ecológico. O método desenvolvido pelos pesquisadores brasileiros permite a degradação de poliuretanos em temperaturas moderadas de até 40°C, sem uso de reagentes químicos agressivos.
Squina ressalta que os microrganismos podem ser aproveitados para produção de compostos químicos com aplicações nas áreas de agricultura, cosméticos e indústria alimentícia. A plataforma desenvolvida pode ser empregada em outros tipos de plásticos, ampliando significativamente o impacto da tecnologia.
Desafios e perspectivas futuras
Apesar dos avanços promissores, ainda existem obstáculos a serem superados. A produção de enzimas em larga escala industrial requer investimentos e desenvolvimento de processos eficientes. Os pesquisadores precisam validar as descobertas em condições ambientais reais e otimizar o desempenho dos microrganismos.
Especialistas alertam que a biotecnologia, embora revolucionária, não resolverá sozinha o problema da poluição plástica. Judith Enck, presidente da Beyond Plastics, enfatiza que é fundamental reduzir a produção e melhorar o manejo dos resíduos. A solução passa pela combinação de tecnologia, educação ambiental e políticas públicas efetivas.
Os cientistas brasileiros estão explorando formas de aprimorar bioquimicamente as enzimas e microrganismos para degradar plásticos mais resistentes que o PET. A pesquisa continua avançando, com novos testes e experimentos que podem levar a descobertas ainda mais impactantes nos próximos anos.
O impacto ambiental e a urgência da solução
Dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) revelam que o plástico representa 85% dos resíduos que chegam aos oceanos. As projeções indicam que os volumes de plástico nos mares podem quase triplicar até 2040, ameaçando todas as espécies marinhas, desde plâncton e moluscos até aves, tartarugas e mamíferos.
No Brasil, apenas 15% dos resíduos plásticos são reciclados, enquanto 46% vão para aterros sanitários e 17% são incinerados. Esses números alarmantes demonstram a necessidade urgente de soluções inovadoras como a biodegradação por microrganismos.
Os microplásticos já foram detectados em praticamente todos os ecossistemas do planeta, incluindo a cadeia alimentar marinha e até mesmo no corpo humano. Pesquisas indicam que essas partículas podem causar doenças, deficiências e mortalidade prematura, afetando principalmente comunidades vulneráveis e crianças.
A descoberta das bactérias decompositoras de plástico representa esperança real para reverter esse cenário devastador. A tecnologia brasileira, combinada com outras iniciativas globais, pode marcar o início de uma nova era na gestão de resíduos plásticos, onde o lixo se transforma em recurso valioso através da inteligência da natureza.

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