A corrida se consolidou como uma das atividades físicas mais populares globalmente, com benefícios comprovados para a saúde cardiovascular, controle de peso e redução do estresse. Segundo dados recentes do aplicativo Strava, o Brasil registrou um impressionante aumento de 109% no número de praticantes, tornando-se o esporte que mais cresceu no país. Este fenômeno, embora positivo para a saúde pública, traz consigo um desafio significativo: o aumento nas lesões entre corredores iniciantes.
Especialistas alertam que o entusiasmo inicial pode ser um gatilho para problemas que comprometem não apenas o desempenho, mas também a continuidade da prática. "Em corredores mais iniciantes, as lesões mais comuns são as musculares, o edema ósseo subcondral e as fraturas por estresse, que muitas vezes ocorrem porque o indivíduo fez uma atividade de impacto para a qual ainda não está preparado ou condicionado", explica o Dr. Marcos Cortelazo, ortopedista especializado em joelho e traumatologia esportiva.
Estudos da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT) indicam que aproximadamente 65% dos corredores iniciantes sofrem algum tipo de lesão nos primeiros seis meses de prática. Este número alarmante ressalta a importância de uma abordagem consciente e estruturada, especialmente para quem está dando os primeiros passos nesta atividade tão benéfica quando realizada corretamente.

O erro da empolgação excessiva: entenda os limites do corpo
O primeiro e talvez mais comum equívoco entre iniciantes é a empolgação desenfreada. Motivados pelos benefícios imediatos e pela sensação de bem-estar que a corrida proporciona, muitos praticantes aceleram o processo de progressão, ignorando os sinais de que o corpo necessita de adaptação gradual. "Esse é um grande erro, pois frequentemente leva a lesões. O ideal é começar a correr pequenas distâncias em dias alternados. O descanso é fundamental para recuperação, porque a estrutura óssea e articular não pode receber impacto continuamente", alerta o especialista.
A ciência do treinamento esportivo comprova que os músculos precisam de tempo para se recuperar do esforço. Durante o exercício intenso, ocorre acúmulo de ácido lático e pequenas microlesões nas fibras musculares – um processo natural que, com o devido descanso, leva ao fortalecimento. Sem esse período de recuperação, o corpo entra em um ciclo de desgaste que pode resultar em lesões crônicas de difícil tratamento.
Para evitar este problema, o Dr. Cortelazo recomenda uma abordagem progressiva: "No início, não adianta correr 15 km. Uma boa base para começar é de cerca de quatro a cinco quilômetros e, então, fazer a progressão de maneira gradual". Especialistas sugerem o princípio de aumento de 10% na distância ou intensidade por semana como referência segura para evitar sobrecargas. O ideal é intercalar dias de corrida com, no mínimo, dois dias de descanso ou atividades de baixo impacto, permitindo a recuperação adequada do sistema musculoesquelético.
A importância do aquecimento: prepare seu corpo para o esforço
Outro erro frequente é negligenciar o aquecimento pré-corrida, uma etapa crucial para preparar o organismo para o esforço que virá. Muitos corredores, especialmente iniciantes, subestimam esta fase preparatória e partem diretamente para a atividade intensa, aumentando significativamente o risco de lesões musculares e articulares.
"O aquecimento é importante para que ocorra um aumento de aporte sanguíneo para as estruturas musculares e uma circulação do líquido sinovial, que embebe e nutre as cartilagens. Também serve para adequar o ritmo de respiração e a frequência cardíaca", explica o ortopedista. Este processo, que leva entre 10 e 15 minutos, prepara os sistemas cardiovascular e musculoesquelético, melhorando a performance e reduzindo riscos.
- Comece com uma caminhada leve de 5 minutos
- Realize exercícios de mobilidade articular
- Faça alongamentos dinâmicos (não estáticos)
- Inclua movimentos específicos da corrida em baixa intensidade
- Aumente gradualmente a intensidade antes de atingir seu ritmo planejado
Pesquisas recentes publicadas no Journal of Sports Medicine demonstram que um aquecimento adequado pode reduzir em até 37% a incidência de lesões em atividades de impacto como a corrida. Além disso, há evidências de que o desempenho durante o treino melhora significativamente quando precedido por um protocolo de aquecimento estruturado.
Preparação física: fortaleça antes de correr
Um equívoco particularmente perigoso é utilizar a corrida como primeira atividade física para perder peso ou ganhar condicionamento. "Muitas pessoas começam a correr para perder peso e esse é um erro grave. Se a pessoa está acima do peso, é preciso primeiro adequar o peso para depois praticar uma atividade de impacto", afirma o Dr. Marcos Cortelazo. O excesso de peso multiplica a carga sobre articulações durante o impacto da corrida, podendo levar a danos precoces em joelhos, tornozelos e coluna.
Além da questão do peso, o fortalecimento muscular prévio é essencial para uma corrida segura e eficiente. "Outra questão extremamente importante é realizar um condicionamento físico, uma musculação, algum nível de exercício que prepare a musculatura para correr. Se os músculos da região estiverem fracos, a locomoção fica prejudicada e a articulação torna-se mais vulnerável ao desgaste e danos", ressalta o especialista.
Dados da American College of Sports Medicine indicam que corredores que incorporam treinamento de força em sua rotina têm 28-35% menos lesões que aqueles que apenas correm. O fortalecimento dos músculos estabilizadores do quadril, core e membros inferiores cria uma estrutura de suporte que absorve melhor o impacto da corrida, protegendo articulações e permitindo uma biomecânica mais eficiente.
Grupo Muscular | Exercícios Recomendados | Frequência Semanal |
---|---|---|
Quadríceps | Agachamentos, leg press, avanço | 2-3 vezes |
Posteriores de coxa | Stiff, leg curl, ponte | 2-3 vezes |
Estabilizadores de quadril | Abdução de quadril, clamshell | 2-3 vezes |
Core | Prancha, bird-dog, hollow hold | 3-4 vezes |
A escolha do tênis: o equipamento que pode definir sua experiência
Muitos iniciantes subestimam a importância do calçado adequado, selecionando tênis por critérios estéticos ou pelo preço, sem considerar as características específicas que um bom tênis de corrida deve apresentar. "O calçado deve oferecer estabilidade, possuir um tamanho adequado para seu pé e, claro, ser confortável. Os tênis para corrida também devem ser mais leves e ter um sistema de amortecimento eficiente", explica o Dr. Cortelazo.
A escolha do tênis vai além do conforto imediato – envolve entender seu tipo de pisada, o terreno onde irá correr e suas características anatômicas individuais. Estudos mostram que calçados inadequados são responsáveis por aproximadamente 38% das lesões em corredores iniciantes. Um bom tênis de corrida deve oferecer o suporte correto para seu arco plantar, estabilidade para seu tipo de pisada (pronada, neutra ou supinada) e amortecimento adequado para o impacto.
Outro aspecto frequentemente negligenciado é a vida útil do tênis. "No geral, estima-se que um tênis de corrida dure, aproximadamente, 480 a 800 km. A taxa de impacto de um corredor começa a aumentar com 65% da vida útil sugerida e aumenta drasticamente após 110%", detalha o médico. Sinais como desgaste da sola, perda do amortecimento, mudança no padrão da pisada e surgimento de desconforto são indicativos claros de que está na hora de substituir o calçado, mesmo que visualmente ele ainda pareça em boas condições.
A recomendação dos especialistas é procurar lojas especializadas onde seja possível realizar uma análise de pisada e receber orientação profissional para a escolha. Investir em um bom tênis, adequado às suas necessidades específicas, não é apenas uma questão de conforto, mas um investimento na saúde de suas articulações a longo prazo. Comece agora a jornada para encontrar o calçado ideal para sua corrida.
Escute seu corpo: os sinais de alerta que você não deve ignorar
O último e talvez mais crítico erro entre corredores iniciantes é ignorar os sinais que o corpo emite. Na busca por resultados rápidos ou por cumprir metas ambiciosas, muitos praticantes negligenciam dores, desconfortos e sintomas que são alertas importantes do organismo. "Preste atenção a sinais como fadiga, dor de cabeça, dor muscular ou articular, que podem indicar que o ritmo está inadequado, não houve o devido descanso ou ainda não existe um condicionamento que dê o suporte para corrida", adverte o especialista.
É fundamental estabelecer a diferença entre o desconforto normal do exercício e dores que sinalizam potenciais lesões. Sensações de queimação muscular, cansaço progressivo e respiração ofegante são respostas normais ao esforço físico. Porém, dores agudas, pontadas, sensações de "estalo" ou dores que persistem mesmo após o término da atividade são sinais de alerta que não devem ser ignorados.
"Em caso de desconforto, interrompa a prática e preste atenção na evolução da dor. Dores que não regridem espontaneamente são um sinal de alerta. Nesses casos, é fundamental buscar um ortopedista o quanto antes para passar por uma avaliação e receber o diagnóstico e o tratamento adequado", finaliza o Dr. Marcos Cortelazo. Ignorar estes sinais pode transformar uma lesão simples em um problema crônico que potencialmente comprometerá sua capacidade de correr no futuro.
- Interrompa o treino imediatamente ao sentir dores agudas
- Aplique o protocolo R.I.C.E. (Rest, Ice, Compression, Elevation) para lesões leves
- Procure atendimento médico se a dor persistir por mais de 72 horas
- Retorne à atividade gradualmente após a recuperação completa
- Considere uma avaliação biomecânica preventiva com um fisioterapeuta especializado
A corrida, quando praticada com consciência e respeitando os limites individuais, é uma atividade extremamente benéfica que pode ser mantida ao longo de toda a vida. Evitar estes cinco erros comuns não apenas reduzirá seu risco de lesões, mas também potencializará os resultados positivos, tornando sua experiência com a corrida mais prazerosa, segura e sustentável a longo prazo.
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